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Mostrando postagens de maio, 2013

Tio dilatado

Ela tinha lá seus dotes. Não era bonita nem feia. Ainda quando pequena, acostumara a tirar a nota suficiente para passar, nem mais, nem menos. Alfrásia venceu certa etapa da vida, a vida escolar, com a necessidade de ter o necessário: pegava o ônibus escolar às cinco da manhã e lá se ia mais um dia. Morar no campo tem dessas coisas. A professora reclama de quando em vez da preguiça da menina, mas ela era pouco preguiçosa. Na verdade, a falta de sensibilidade dos professores parece dar margem a certas falácias. Alfrásia queria mesmo é aguentar o tempo obrigatório de classe para voltar ao sítio. O pedaço de terra era de um tio distante, e havia sido arrendado para o pai de Alfrásia. Toda vez que os parentes (os donos da terra) vinham passear a coisa agitava. Aos nove, a menina não esquece dessa história, os tios afortunados vieram para mais uma visita e Alfrásia lá tomava o café da tarde. Já tinha ido à escola pela manhã e feito as obrigações do lar, aproveitava para sorver o café ...

unhas vermelhas

Afastado, um passo mais longe de minha genitora. Ela longe longe personificada em afetos: x-box e o escambau. Eu pintava quadros como quem pisa na terra, desde terna idade. Cada pincelada, um afago entorpecente.  Há um cheiro convicto perseguidor: meu pai amava usar o ofato antes de comer qualquer alimento; meninote, eu adorava saborear terra vermelha. Daí a cor vermelho-terra, gosto de terra molhada. Pintura aconchegante, reunião de corpos.  Luciana, minha mãe, foi embora ainda quando tinha dois anos. Verdade, verdade, nem dois anos tinha, e ela ao estrangeiro. Num misto de sei lá o que, eu comia as unhas pequeninas, buscando calor. Papai precisou dos meus cuidados; digo assim porque, diante da lonjura de mamãe, passei a dar um pouco de ar brando ao pai. Kafka escreveu uma carta que bem que o pai devia ter lido, digo, meu pai. Meu pai, Juliano, devia ter lido Carta ao pai às avessas. Ele não me deixava na varanda enquanto eu chorava, nunca! Papai dormia diante das ...

Palimpsesto nenhum

que leva, pois, a escrita nenhum branco preto cabe nesse espaço e não se trata necessariamente de uma falta - uma sombra: tradução impossível sombra, metáfora afora áporo auto-convencimento serve de definição uma imagem que falha sem que nenhuma outra imagem pré-configure palimpsesto nenhum sonhos passam aos mil há mil outros espaços em algum terreno que me refaz diante de um outro

Louca, não sou

Louca, não sou Louca, não sou Tão pouco sou normal As fronteiras não existem nas raias de um ser inteiro Loucura é ser pela metade Ser humano parcial Guardar amores e segredos Nesses cofres virtuais Eu sou toda Ou não sou Até minhas reservas e medos São públicos O que escondo me revela Aí minha insanidade: Não renegar a loucura Aceitar no corpo todo Minha alma desigual Louca, não sou Autoria: Lua Barreto

ocorrência vultosa

Ocorrência vultosa Retorno sem saída ao inominável mesmo sabendo que em pouco avancei nesse instante o corpo exige um novo romance que ultrapasse as barreiras do léxico 'preciso de um romance' não é um poema 'preciso de um romance' é de fato uma necessidade, turbilhão o que pulsa desenfreadamente vértebras, entranhas são dilaceradas diante da ocorrência vultosa impregnada de natumanidade já disse: as línguas estão mortas Proclamo: as línguas estão mortas a sete palmos a língua dos cães é língua viva - está escrito é língua viva, na transparência da água límpida (a morte é apenas um último capítulo)