Da MERDA ao caos
Após a morte de Bibica, as coisas tomaram rumos distintos. Primeiramente, os contratos publicitários foram interrompidos, os perfumes e os demais artigos de odor já não tinham a mesma aceitação como antigamente - até os jornais tinham cansado de publicar matérias sobre o caso Bibica. Depois de quatro meses do ocorrido, já faltava alimento, a energia e água estavam cortadas e meus vasos... até meus vasos não podiam ser utilizados - que falta fazia Bibica!
Era preciso sair daquele ostracismo doentio! Procurei me reestabelecer... Meu abdome já estava duro, vários dias sem defecar. A verdade é que só usava o vaso quando saía de casa, porque meus sanitários lembravam Bibica. Passei a frequentar a casa de mamãe para usar o banheiro. Nesse período, observava como era explorado aquele espaço na casa, quem usava mais vezes, quem lavava as mãos etc. Nesses dias de retorno à sobrevivência familiar, recebi um convite para trabalhar com meus pais. Ficava no balcão da loja de mamãe, ali era vendido de tudo, e os objetos não muito valorizados no mercado viravam verdadeiras joias nas mãos de Dona Joana, minha querida mãe. Meu pai não era tão bom em vendas, entretanto, sabia cuidar do espaço, fazendo com que aquela desorganização tomasse um sentido quase poético. Após um ano de vida exclusivamente nova, voltei a defecar na minha própria casa, paguei as contas atrasadas e passei a viver novamente com meus vasos sanitários.
Precisava de ter meu próprio ganha-pão! Como já tinha passado por maus momentos, resolvi continuar trabalhando com meus pais, enquanto organizava minha casa. Toda renda dos serviços prestados era empregada ali mesmo, debaixo do meu teto. Entendi que não dava para continar deixando minha merda escoando por qualquer cano, fiz minha própria tubulação, toda transparente. Logo a mídia começou a cobrir o percurso do que era defecado na minha casa. Nesse ínterim, já tinha voltado à boa forma, e sem remédios! Defecava dez vezes ao dia sem utilizar nenhum laxante, nem mesmo comia alimentos que propiciassem maior fluidez, era tudo natural!
Naquele ano, havia entrado uma nova gestão na prefeitura da cidade. O prefeito de então tinha como objetivo fazer do lixo algo visível, agradável. Confesso que toda essa filosofia barata foi copiada da experiência iniciada na minha casa - minhas tubulações transparentes pareciam inspirar bastante esses crápulas de terno e gravata. Foi ofertado a mim o cargo de coordenador geral de um projeto piloto que visava fazer da cidade o que tinha feito em casa. Toda a tubulação que passaria a merda seria transparente para que cada um pudesse se ver, também, enxergar o que o outra fazia nos momentos íntimos. Começamos pela rua, depois estendemos para as demais ruas até ter um bairro completo de merda à vista. A ideia era tão interessante que muitas empresas passaram a apoiar o projeto da prefeitura. Uma psicóloga de plantão disse, numa dessas entrevistas rápidas, que a população teria mais conhecimento, mais compreensão, uma vez que estariam diante do mais sublime, e todos dias. Era como viver à beira mar, segundo ela.
Cidade pronta, outras prefeituras de partidos distintos não se esquivaram de copiar o projeto, e logo todo o Brasil já estava com a rede de esgoto transparente. Era possível observar as fezes de qualquer um, do político ao detento. Quando os presidiários não se alimentavam bem, logo era possível perceber a diferença da cor das fezes.Também, quando havia aumento relâmpago nos salários dos políticos, ou o congelamento dos vencimentos de médicos e professores, era possível ser notado por todos. Meu pai sempre me dizia: "para conhecer uma pessoa, observe a merda feita por ela, o lixo diz mais que palavras!"... Que deus tenha os restos de papai! Tudo corria bem... os políticos já não recebiam aumentos estrondosos todos os dias, os professores e médicos públicos passaram a receber reajustes relativamente dignos. Era uma nova era, quem sabe!
Cidade pronta, outras prefeituras de partidos distintos não se esquivaram de copiar o projeto, e logo todo o Brasil já estava com a rede de esgoto transparente. Era possível observar as fezes de qualquer um, do político ao detento. Quando os presidiários não se alimentavam bem, logo era possível perceber a diferença da cor das fezes.Também, quando havia aumento relâmpago nos salários dos políticos, ou o congelamento dos vencimentos de médicos e professores, era possível ser notado por todos. Meu pai sempre me dizia: "para conhecer uma pessoa, observe a merda feita por ela, o lixo diz mais que palavras!"... Que deus tenha os restos de papai! Tudo corria bem... os políticos já não recebiam aumentos estrondosos todos os dias, os professores e médicos públicos passaram a receber reajustes relativamente dignos. Era uma nova era, quem sabe!
Era um dia de sol, quando me levantei... Padaria, ruas, em tudo era possível ver o gigantesco tempo de merda que fora escondido! Porém, todas as merdas estavam interligadas, diziam que agora o individualismo acabaria. O percurso das fezes era bastante singular: a pessoa defecava, logo em seguida, as fezes passavam por tubulações individuais até desaguar nas demais. Aí, era ainda possível vê-las, mas misturadas às outras. Naquele dia de sol, pão às mãos, atravessei a rua, subi o elevador observando toda merda feita pela aquela gente, admirável! Entrei em casa, passei a manteiga ao pão, peguei um copo preenchido de suco de uva, e me sentei frente à televisão. A notícia era contundente, tinham dado o golpe, um novo governo viria pela frente...
Um governo diferente do anterior! Todos os projetos de manutenção da transparência da merda foram rasgados. Além disso, resolveram isolar todo o resto produzido pela população numa valeta no interior do Brasil. Toda a merda ia direto para um buraco secreto, que ficava numa cidadela, num local pouco frequentado.
Num dia qualquer, a pressão dos gases da valeta foi tão forte que causou uma tremenda explosão por todo o mundo, deixando em extinção a raça humana.
Comentários
Postar um comentário