vazar desaprumado II
Deixei a queda me tomar. Das cadeiras de balanço quebraram as pernas, as bengalas não se sustentam... Não há madeira, redenção, nada! Caí, mas não eram águas doces, ao contrário, o mar salga qualquer coração insano. Pensei que seria só solidão essas águas sôfregas. Não, não! Mesmo caído os peixes passaram pelos meus restos, mordiscando minha pele.
Engraçado, deitado ao fundo do mar, os peixes parecem desejar minha presença. Mesmo morto insisto em gritar passagem à malandragem do sangue-bom brasileiro. Tubarões querem meu corpo, entretanto já os conheço bem e não me entrego. Tomo o sentido oposto, subo nas costas de um tububarão selvagem e faço a viagem pelo interior submarino.
Os peixes são pérolas inacabadas, todavia os tubarões fazem o favor de acabar com os pobrezinhos. Não, não é questão de maldade! Os peixinhos são bem educados e fazem o favor de entrar goela abaixo. Eu gozo! De cima do tubarão branco recarrego minhas energias para também poder seguir viagem só. Pensei que estava na hora de me metamorfoser em tubarão... Contudo, não é questão de metamorfose, pois tubarão sou desde a minha terna infância.
Preciso afiar meus dentes. Sobre um tubarão branco tudo é possível... escovo meus dentes, aparo minhas arestas e inicio o difícil caminho de fazer faca o que era dente. Durmo até tarde, porque o tubarão branco faz dos dias uma lente de aumento. E voo alto, aumentando minha percepção do mar. Quando vivia como humanos não sabia o doce sabor das águas. Agora, os peixinhos vem mastigados pelo tubarão maior, mas já vislumbro meus dentes afiados mastigando cada bocado. Talvez eu não queira comer um a um... melhor seria um bocado, uma overdose marítima.
Não, não ficarei muito tempo aqui. Vou descer das costas desse animal para nadar uma quilometragem impossível. Após - meus dias estão delimitados - sairei do mar para deixar o cão pairar. Pensei que era possível tornar-me cão sendo humano. Mera fantasia! Para ser cão é preciso ter passado pela terra, água, fogo e ar. Da terra vim, n'água estou. Ao fogo chegarei no dia em que for ar. Apagado o fogo, minhas costas serão mais fortes que essa com a qual me sustento. Mas não colocarei peixes folgados aqui, não, deixarei os peixinhos morrerem afogados.
Não há compaixão nesse ser que paira mar adentro.
Oração, Ora nada (Ora ELE, ora eu)
ResponderExcluirPai nosso que estais no CERNE
Embora tente ocultar teu nome
Reino apenas teu reino
Fujo sempre à tua vontade
Seja em céus, terras ou oceanos
No prato vosso, a cada dia, cuspirei e comerei
Perdôo-te, pai
- como nós nos perdoamos!(?)
Não me deixe cair em tentativas inúteis
De simplesmente livrar-me de ti, furando meus olhos
Dizendo sempre aDeus
Amém.
Matheus Gonçalves Padilha - o velho.
Muito bom, Matheus! No fim, o pai sempre está no CERNE. O desafio é a invenção de um pai perverso, uma vez que as leis não se sustentam com antes. Forte abraço, meu velho!
ResponderExcluirObs: quero que você leia o ensaio que estou escrevendo cujo título é "Projeto Literatura no eixo: laço social em era de vazio?"
Bravo, aprendiz de tubarão!
ResponderExcluirDevore os inimigos naturais do seu habitat e, principalmente, não tenha dó das piranhas!
KKKKKKKKKKKKKKKKK
ResponderExcluirGostei! "não tenha dó das piranhas" kkkkkkkkkkkkkkkk
Quanto tempo nao venho aqui.... Como eh bom mergulhar nesse mar! "Ao fogo chegarei no dia em que for ar" adorei isso mestre! Beijos saudosos
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