nas curvas do dito


nas curvas do dito, 


 o poder de um poema não se reduz aos versos contidos ali, assim como o poderio de uma guerra vai além de um tanque blindado - eis a força poética além das frestas do léxico, esquinas da vida. é nesse espaço não marcado (flashback de tempos, ou aventuras (in)contidas) que há a possibilidade de esbanjar o recomeço. o poderio lírico é uma semente do descabido.

e quando um poema não se finda na pretensa alegria ilusória da única interpretação? é nisso, pois, que reside a acusação ao poeta: falta-lhe Amor!; a falta da letra maiúscula Amor não denuncia apenas a ausência de um nome próprio, mas (quem sabe!) a inexistência de qualquer realidade possível. a falta de um ponto que absorva o eu, que o faça crer nele mesmo, a própria poesia. contudo, aos poetas que vivem sem chão, àqueles que a realidade - mesma nas diversas criações - está em consonância com a rebeldia incerta do fazer artístico... ora, ora! viverão a inexatidão do vulgo SeR,

as malditas identidades poéticas, eu.

a poesia é o sem lugar - a mentira que a verdade insiste em contar. o poeta é necessariamente um não querer, um não existir compreendido. uma rebelde de duzentos anos é o próprio poeta,

o poeta da poesia!

na escuridão da poesia, o poeta está embrenhado da cabeça aos pés. e não adianta dizer que o poeta não sabe o que diz - ele é o próprio dizer! não me venha com o tom racional de quem conhece a si mesmo - a poesia é o revestimento interno do desconhecido. e, no entanto, não faltam acusações ao pobre poeta! ele, que sequer existe além da poesia, é atacado veementemente. ele não está seguro; na corda bamba das palavras, tropeça (peca, tomba) justamente quando as reticências aparecem sem porquê. peca mais quando tenta iludir-se da poesia: julga dizer a verdade quando dela há pouco mais que riscos. arrisca-se, pobre poeta, porque não há a salvação. não há salvação para além dos versos. notem: jesus morreu na cruz e deixou o "cristo" na areia movediça das palavras dos que vieram. imagina, pois, a condenação daqueles cristãos; imagina, entçao, jesus furioso com aqueles que professaram o seu suposto nome em vão. não teriam entendido, o pobre coitado? da palavra nada sobra além dos riscos.

ah,

reticências são pontos em vão
porque as palavras continuam 
independente do querer poeta

é mais ou menos isso (aliás, "mais ou menos" podia mesmo ser a língua poética - incerta) a poesia é oblíqua, imprecisa, mais ou menos, porque o poeta salva-se após a própria morte (da poesia e do poeta voltam o dizer - voltam a dizer!). eis, então, a definição dicionária poética: salvação é a própria morte em si do poeta. Quando as palavras são elas mesmas pequeninas e reticentes, a imortalidade comparece,

nas curvas do dito.

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